Escrito por Isabella Brescia
A associação entre o envelhecimento e a desidratação não é nova e foi reconhecida por diversos pensadores, dentre eles – Aristóteles que dizia: “Deve-se saber que os seres vivos são úmidos e quentes e a velhice é seca e fria”. Já Homero, comparou a velhice com um ramo de oliveira seco e Galeno por sua vez, via a perda de água corporal como uma característica importante do envelhecimento e constatou que a desidratação é de difícil diagnóstico, fato que ainda permanece verdadeiro atualmente.
A desidratação é o distúrbio hidroeletrolítico mais comum nos idosos e uma das causas mais frequentes de internamento entre os 65 e os 75 anos. Nestes indivíduos as perdas de fluidos estão aumentadas e o consumo de líquidos diminuído pelo que a susceptibilidade para a desidratação é maior, quando comparada com a dos adultos.
A água é essencial para o normal funcionamento corporal já que, fornece o meio aquoso essencial para a ocorrência de várias reações bioquímicas participando diretamente como reagente em diversas reações metabólicas. A ingestão de água equilibra as perdas, garante uma hidratação adequada aos tecidos assegurando o transporte de nutrientes e a manutenção da temperatura corporal.
A água corporal total, correspondente a 60% do peso corporal num adulto saudável, diminui para cerca de 50% nos idosos do sexo masculino e para cerca de 40% nos do sexo feminino. Esta percentagem inferior do sexo feminino é facilmente justificada pelo facto das mulheres terem uma maior quantidade de tecido adiposo, que é praticamente isento de água, ao contrário do muscular. Como a quantidade de água corporal total é menor, a perda de fluidos necessária para aumentar a osmolaridade plasmática é consequentemente inferior.
Também a sensação de sede, a função e a capacidade de concentração renal, a taxa de filtração glomerular, a atividade da renina, a secreção de aldosterona e a resposta cardiovascular à diminuição de volume sofrem uma redução significativa com a idade. Essa redução nos mecanismos compensatórios, acompanhada pelo aumento da resistência do rim à vasopressina, aumenta a fragilidade dos idosos para a desidratação. Para além destas, muitas outras alterações fisiológicas e patológicas favorecem esta propensão que se faz sentir no idoso para a desidratação. As alterações mais importantes, relatadas na literatura são:
Fisiológicas
- Idade > 80 anos
- Alterações fisiológicas no balanço hídrico
- Fragilidade
- História prévia de desidratação
Patológicas
- Patologias crônicas (comorbilidade)
- Infecções
- Dor e febre
- Feridas (inclui úlceras de pressão)
- Hemorragia
Neurológicas
- Dificuldades motoras e nas atividades vida diária
- Lesões extrapiramidais com tremores e salivação excessiva
- Demência
- Deficiências sensoriais e de comunicação
Psiquiátricas
- Depressão
- Ansiedade
- Delírio
- Psicose/Esquizofrenia
Cardiopulmonares
- Dispneia
Gastrointestinais
- Vómitos
- Diarreia
Urológicas
- Incontinência ou medo de incontinência
- Diminuição da função renal
Metabólicas
- Hipercalcemia
- Diabetes mellitus
Iatrogênicas
- Poli medicação (diuréticos, laxantes, psicotrópicos)
- Distúrbios do metabolismo da água/sódio
Sociais
- Isolamento social
- Autonegligência
- Insuficiente acesso a fluidos
- Escassez de profissionais ou formação insuficiente
- Escassez de cuidados no domicílio
Ambientais
- Inverno (maior risco de infeções)
- Verão (ondas de calor)
A desidratação ocorre não só pela restrição do consumo de líquidos propriamente ditos, mas também pelo consumo reduzido de alimentos ricos em água. A diminuição do consumo de alimentos é particularmente evidente nos idosos disfágicos uma vez que necessitam de líquidos espessados e de mais tempo dos cuidadores para consumir o volume necessário, sendo por isso frequentemente negligenciados.
As manifestações clínicas da desidratação dependem não só da gravidade, mas também da velocidade de instalação do distúrbio. A clínica da desidratação geralmente é vaga e pode apresentar sintomas como infecções urinárias, insuficiência renal, hipertermia em condições de temperaturas elevadas, cefaleia, constipação, perda de peso, boca seca, deterioração do estado cognitivo, confusão, delírio, alteração da pressão sanguínea, alteração da cor da urina ou débito urinário, sintomas estes que são comuns a várias doenças crônicas e assim dificultar o diagnóstico.
A pele seca é um problema comum em indivíduos mais velhos, pois com a idade, a capilaridade sanguínea torna-se reduzida, diminuindo o fornecimento de sangue e nutrientes para pele e também o número reduzido de glândulas sudoríparas e sebáceas. Todas essas alterações levam ao afinamento da epiderme e das fibras elásticas que fornecem suporte dérmico deixando a pele do idoso com turgor diminuído. Tais fatos dificultam o diagnóstico precoce da desidratação, porque esses sinais clássicos de desidratação podem estar ausentes ou ser enganosos na senescência, já que a diminuição da elasticidade da pele ou os olhos afundados são sinais comumente encontrados nessas pessoas. Desta forma, o turgor cutâneo geralmente é um sinal pobre em idosos devido à inelasticidade da pele. Mesmo assim, se o turgor for usado em pessoas idosas, deve ser feito na testa ou sobre o esterno.
Quanto às mucosas, a língua úmida é um sinal bastante seguro de que o paciente não está desidratado, mas ao contrário, se estiver seca não é prova de desidratação. Isso porque as mucosas secas podem ser um sinal de que o idoso está resfriado e está respirando pela boca ou pode indicar uso de medicação que resseca a boca (como anti-histamínicos, antidepressivos, diuréticos, inibidores da bomba de prótons, ou anti-inflamatórios não esteroidais por exemplo) ou referem-se a doenças crônicas (como artrite reumatoide ou lúpus). Assim, a desidratação não é a única ou até mesmo a causa mais provável de uma boca seca, podendo causar confusão no diagnóstico.
A axila seca tem se mostrado um indicar bastante útil. Pois, se presente, devemos ter alta suspeição de desidratação, visto que, este sinal apresentou sensibilidade de 50% e especificidade de 82%. Ao contrário, a sensação de sede já se mostrou um preditor ruim do estado de hidratação entre os idosos devido ao reconhecido declínio da sensação de sede com o envelhecimento.
Assume-se que a contribuição de alimentos para ingestão total de água é de 20- 30%, ao passo que 70-80% é fornecido por bebidas. Esta relação não é fixa e depende do tipo de bebidas e de alimentos consumidos. Nas bebidas incluem-se a água, suco de frutas, leite, chá e café. As bebidas alcoólicas também contêm água não sendo aconselhadas em caso de desidratação por aumentar o efeito diurético. Devem ser consumidos alimentos com grande percentagem de água na sua constituição tais como frutas (melancia, melão, morango, laranja), vegetais frescos, sopas, queijo fresco ou iogurte. Assim, o consumo pode ser aumentado de uma forma variada para o idoso não só através de líquidos, mas também da própria dieta.
Durante os períodos entre refeições deve ser encorajado o consumo de líquidos. Estes devem ser oferecidos durante todas as atividades e, nos lares, devem ser criadas atividades que, ao mesmo tempo que estimulam a interação social, estimulem o consumo de líquidos como por exemplo a “hora do chá” e durante as atividades quotidianas, como escovar os dentes ou tomar a medicação. Deve ser transmitido ao idoso que esta distribuição ao longo do dia é aconselhável uma vez que é preferível beber frequentemente pequenas quantidades de líquidos do que grandes quantidades em apenas algumas ocasiões: beber grandes quantidades de uma só vez provoca uma expansão do estômago e, consequentemente, diminuiu a sensação de sede.
Quer vivam numa instituição ou em casa, os idosos que devido a déficits cognitivos, sensoriais, motores (hemiplegias e tremores) ou a dificuldades na realização das atividades da vida diária não consigam tomar conta de si próprios e estejam por isso altamente dependentes de terceiros, devem ter uma maior assistência na manutenção da hidratação. Nestes idosos, o papel dos cuidadores e profissionais de saúde reveste-se de uma importância extrema. De igual forma, também os idosos disfágicos e os que temem a incontinência devem ser auxiliados de uma forma mais atenta sem nunca descuidar do risco de desidratação. Este auxílio é seriamente dificultado no caso dos idosos que vivem sozinhos, que devem ser orientados quanto a importância da ingestão de líquidos no decorrer do dia, alimentos ricos em água e no reconhecimento dos sinais e sintomas da desidratação.
Referência Bibliográfica
ARAÚJO, Maria Lúcia Azevedo. A desidratação no idoso. 2013. Tese de Doutorado. [sn].
BLANCH, Graziela Torres; JÚNIOR, Saulo Marques; PAZINI, Sandra Lúcia. DESIDRATAÇÃO EM IDOSOS: UMA REVISÃO NARRATIVA. Revista EVS-Revista de Ciências Ambientais e Saúde, v. 47, n. 1, p. 7413, 2020. LOPES, Alice Raquel Cabral. Desidratação no idoso. 2014. Tese de Doutorado.