Por Isabella Brescia
As complicações associadas com a nutrição enteral (NE) não são incomuns, sendo a diarreia um sinal importante de intolerância. A atividade metabólica da microbiota luminal pode ser comprometida, afetando a resistência à colonização e contribuindo para complicações. Consequentemente, são de grande interesse as formulações de NE que tenham um efeito positivo na microbiota e função intestinal, que proporcionem um suporte nutricional apropriado para os pacientes.
Dentre as aplicações da fibra na nutrição enteral podemos citar o gerenciamento da função intestinal, a intensificação da função absortiva e integridade do intestino, a manutenção da barreira intestinal, a melhora da tolerância à glicose e do perfil lipídico do sangue e a normalização da microbiota intestinal. Um grande número de estudos avaliou a tolerabilidade ao conteúdo de fibras e na redução de sintomas gastrointestinais. Há ampla evidência de efeitos positivos das fórmulas enterais enriquecidas com fibras, que podem estimular o crescimento de bactérias benéficas, inibindo o desenvolvimento de bactérias nocivas.
Spapen et al. investigaram o efeito de fórmulas enterais enriquecidas com fibra no controle da diarreia em pacientes com sepse grave, os quais receberam dieta enteral suplementada com 22g/l de goma guar parcialmente hidrolisada ou dieta padrão (normocalórica e normoproteica), sem fibras, como controle. Os autores encontraram que os pacientes com dieta enteral com fibras tiveram menor frequência diária de diarreia, menor número de dias de diarreia por dias totais de internação e menor escore de diarreia, baseado em volume e consistência das fezes.
Nakao; investigou a utilidade da fibra alimentar solúvel no tratamento de diarreia durante a nutrição enteral em pacientes idosos. A suplementação inicial foi de 7g/dia de fibras solúvel (galactomananas), sendo aumentada semanalmente até 28g/dia, no final do período de intervenção de quatro semanas. Após administração de fibra solúvel, houve redução significativa no conteúdo de água nas fezes, na frequência diária de movimentos intestinais e no pH fecal. Houve melhora nas características das fezes e aumento significativo no nível total de ácidos graxos de cadeia curta.
Trier et al. verificaram a tolerância e o efeito na função gastrintestinal de uma fórmula pediátrica, polimérica, enriquecida com uma mistura de seis fibras, comparada com a mesma fórmula sem fibras. O estudo duplo-cego, randomizado, incluiu 16 crianças com terapia de nutrição enteral por 14 dias. Com o uso da fórmula suplementada com a mistura de fibras, houve redução significativa no número de dias de constipação e no uso de laxantes.
Chittawatanarat et al., após 14 dias de intervenção, identificaram que os episódios de diarreia foram significantemente mais baixos no grupo com fibras do que no grupo sem fibras. A proporção geral de incidência de diarreia por 100 dias de nutrição enteral, foi significantemente mais baixa no grupo que recebeu fibras, mesmo quando a nutrição teve início após os pacientes terem recebido antibióticos de amplo espectro.
Considerando-se o esvaziamento e volume gástrico residual, os estudos não observaram diferenças entre o grupo que recebeu suplementação com fibras e o grupo controle. Três artigos demonstraram que os vômitos foram menos frequentes no grupo que recebeu suplementação com fibras, mas as diferenças foram não significantes. Alguns estudos mencionaram distensão abdominal, mas não detectaram diferenças clinicamente importantes (a distensão abdominal foi similar em ambos os grupos, ou a distensão foi menos observada no grupo controle).
A American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) recomendou, em recente publicação, a utilização apenas de fibras solúveis para pacientes graves hemodinamicamente estáveis que desenvolvam diarreia. O uso de fibras solúveis em todos os pacientes que se encontrem hemodinamicamente estáveis é seguro e pode ser considerado benéfico para redução dos sintomas gastrintestinais, principalmente da diarreia. Adicionalmente, o uso de fibras insolúveis para pacientes graves em geral foi contraindicado. Ambos os tipos de fibras devem ser evitados para pacientes em risco de isquemia mesentérica ou comprometimento grave da motilidade.
Referência Bibliográfica
CATALANI, Lidiane Aparecida et al. Fibras alimentares. Rev Bras Nutr Clin, v. 18, n. 4, p. 178-82, 2003.
Chittawatanarat K, Pokawinpudisnun P, Polbhakdee Y. Mixed fibers diet in surgical ICU septic patients. Asia Pac J Clin Nutr. 2010;19(4):458-64.
Nakao M, Ogura Y, Satake S, Ito M, Ugushi A, Takagi K, et al. Usefulness of soluble dietary fiber for the treatment of diarrhea during enteral nutrition in elderly patients. Nutrition 2002; 18(1):35-9. 24.
REIS, Audrey Machado dos et al. Uso de fibras dietéticas em nutrição enteral de pacientes graves: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de terapia intensiva, v. 30, p. 358-365, 2018.
Spapen H, Diltoer M, Van Malderen C, Pondenacker G, Suys E, Huyghens L. Soluble fiber reduces the incidence of diarrhea in the septic patients receiving total enteral nutrition: a prospective, double-blind, randomized and controlled trial. Clin Nutr 2001; 20(4):301-5. 23.
Trier E, Wells JCK, Tomas AG. J Pediatr Gastroenterol. Nutrition 1999; 28:959 2