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DOENÇA DE CROHN E RETOCOLITE ULCERATIVA

Por Isabella Brescia*

Esses distúrbios causam inflamação crônica no Trato Gastrintestinal (TGI), na porção do intestino onde ocorre a digestão e a absorção de nutrientes. A inflamação contínua provoca sintomas, como dor abdominal e cólica, diarreia, sangramento retal, perda de peso e fadiga.

Ao receber pela primeira vez o diagnóstico de Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa, você precisará fazer escolhas. Para muitas pessoas com Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa, chamadas conjuntamente de Doença Inflamatória Intestinal (DII), o simples ato de comer não pode mais ser realizado sem atenção. Como a DII altera o sistema digestivo, a dieta e a nutrição são afetadas de várias maneiras, pois certos alimentos podem piorar os sintomas. Deve-se ter atenção para evitar os alimentos que piorem ou desencadeiem os sintomas da doença. Além disso, é importante aprender a fazer escolhas alimentares saudáveis, repor as deficiências nutricionais e manter uma dieta balanceada e rica em nutrientes.

A inflamação no intestino delgado da pessoa com Doença de Crohn interfere na digestão (quebra dos alimentos) e absorção dos nutrientes. Alimentos digeridos de forma incompleta que passam através do cólon causam diarreia e dor abdominal. No indivíduo com Retocolite Ulcerativa, o intestino delgado funciona normalmente, mas o cólon inflamado não absorve água adequadamente, o que resulta em diarreia, maior urgência para evacuar e aumento da frequência das evacuações.

Em períodos de crise da doença, sintomas como diarreia, urgência para evacuar, dor abdominal, náuseas, vômitos, sangue nas fezes, constipação, perda de apetite, fadiga e perda de peso afetam negativamente o estado nutricional. A diarreia grave pode causar desidratação, privando o corpo de fluidos, nutrientes e eletrólitos (sódio, potássio, magnésio e fósforo). Portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa geralmente têm apetite reduzido, como resultado de náusea, dor abdominal ou sensação de sabor alterado. Sintomas que dificultam a ingestão de calorias e a obtenção de nutrientes suficientes. Além disso, a necessidade de evacuar muitas vezes em um dia pode fazer com que a pessoa com DII evite comer demais, a fim de prevenir o efeito gastrocólico. Ao comer muito pouco, o indivíduo corre o risco de tornar-se desnutrido.

Outro possível sintoma da DII é o sangramento retal resultante de feridas (ulcerações) que se formam no revestimento interno do trato intestinal e levam à perda de sangue. Quando crônica, essa perda de sangue pode eventualmente provocar anemia, que, se não for controlada, é capaz de causar fadiga. Além disso, o processo inflamatório na Doença de Crohn e na Retocolite Ulcerativa resultam em aumento no consumo da energia armazenada e na degradação dos tecidos do corpo, ocasionando a perda de peso, apesar da ingestão calórica adequada.

A densidade mineral óssea reduzida (baixa massa óssea) é comum em crianças, adolescentes e adultos com DII. A forma grave de densidade mineral óssea reduzida (osteoporose) aumenta o risco de fraturas. Isso pode ser devido à ingestão insuficiente de cálcio, baixa absorção de cálcio, deficiência de vitamina D, atividade física reduzida, inflamação e/ou utilização prolongada de medicamentos, como corticosteroides (conforme exposto anteriormente). O cálcio ajuda a formar e manter ossos e dentes saudáveis, enquanto a vitamina D é necessária para ajudar o corpo a utilizar o cálcio.

Em algumas pessoas com Doença de Crohn, a inflamação crônica no intestino pode fazer com que as paredes do órgão se estreitem e também formem tecido cicatricial. Esse tecido cicatricial pode causar estreitamento, o que dificulta a passagem dos alimentos digeridos através do intestino. O estreitamento do intestino é chamado de estenose entérica. Modificações alimentares, como dieta com pouca fibra ou líquida, juntamente com medicação, podem ser necessárias se a estenose for principalmente inflamatória. Se o estreitamento for provocado principalmente por tecido cicatricial, pode ser necessário fazer uma cirurgia para aumentar ou remover a parte estreitada. Frequentemente prescreve-se dieta com pouca fibra ou líquida até a cirurgia ser realizada.

NUTRIÇÃO NO MANEJO DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS

Não há evidências que sugiram que qualquer alimento ou dieta particular cause, previna ou cure a DII. A presença de uma doença crônica ativa, como a Doença de Crohn ou a Retocolite Ulcerativa, tende a aumentar os requisitos de calorias, nutrientes e energia do organismo. Durante as crises da doença, pode ser difícil manter a nutrição adequada. No entanto, manter uma boa nutrição ajuda a melhorar o bem-estar geral, promover a cicatrização e aumentar a imunidade, elevar os níveis de energia, além de aliviar alguns sintomas gastrintestinais.

Muitos indivíduos com DII podem consumir uma dieta normal durante os períodos de remissão da doença, mas precisam alterar a dieta durante as crises. Todavia, outras pessoas com DII, como pacientes com estenoses intestinais, precisarão permanecer com uma dieta modificada até que a estenose seja tratada com sucesso, de forma clínica ou cirúrgica. Uma dieta individualizada é fundamental para controle dos sintomas.

A dieta individualizada deve levar em consideração os seguintes aspectos:

  • Sintomas (diarreia, constipação, dor abdominal etc.)
  • Se a pessoa está em remissão ou em crise da doença
  • Localização da doença
  • Presença de estreitamento no intestino delgado (estenoses)
  • Qualquer cirurgia prévia
  • Se há deficiências nutricionais específicas (como a de ferro)

Durante as crises, certos alimentos ou bebidas podem irritar o trato digestivo e agravar os sintomas. Nem todas as pessoas com DII são afetadas pelos mesmos alimentos, por isso pode ser necessário experimentar para descobrir quais deles mais afetam os sintomas. Manter um diário de alimentação pode ajudar você a rastrear como sua dieta se relaciona com seus sintomas e a identificar os alimentos desencadeantes.

As dietas de eliminação (que evitam alimentos desencadeantes) são empregadas para determinar quais alimentos devem ser evitados ou reduzidos. Isso envolve a remoção sistemática de alimentos ou ingredientes que podem estar causando sintomas. É importante fazer isso sob a supervisão de seu médico e de um nutricionista para ter certeza de que esse procedimento está sendo feito corretamente, sem causar desnutrição. Ao eliminar alimentos, é importante substituí-los por outros que forneçam os mesmos nutrientes. Por exemplo, ao eliminar produtos lácteos, certifique-se de obter cálcio e vitamina D de outras fontes.

Fibra

A fibra dietética é encontrada em alimentos vegetais, como frutas, verduras e legumes, além de grãos. Ela é essencial à saúde e à digestão. Para muitas pessoas com DII, o consumo de fibra durante os períodos de crise da doença ou estenoses pode causar cólicas abdominais, inchaço e piora da diarreia. Mas nem todas as fontes de fibra provocam esses problemas, e algumas podem ajudar nos sintomas da DII.

A fibra solúvel (com capacidade de retenção de água) ajuda a absorver água no intestino, diminuindo o tempo de trânsito dos alimentos. Isso pode ajudar a reduzir a diarreia ao formar uma consistência semelhante ao gel e atrasar o esvaziamento do intestino.

A fibra insolúvel não retém água. É mais difícil de digerir, porque puxa a água para o intestino e faz o alimento se mover mais rapidamente através dele. Essa fibra é encontrada nas cascas dos alimentos como maçãs, sementes e grãos, além de vegetais folhosos. O consumo de fibra insolúvel pode agravar os sintomas da DII por causar mais inchaço, diarreia, gases e dor. Quando há inflamação grave ou estreitamento, o consumo de fibras insolúveis pode causar piora de sintomas e bloqueio no trato intestinal.

A maioria dos alimentos contém uma combinação de fibras, por isso cozinhar, descascar e remover sementes e grãos é importante para os pacientes que estão em crise e precisam reduzir a ingestão de fibras insolúveis.

Lactose

A intolerância à lactose é uma condição em que o corpo não digere adequadamente a lactose, o açúcar presente no leite e nos produtos lácteos. Algumas pessoas com DII podem ser intolerantes à lactose. Além disso, alguns portadores de DII podem só ter problemas com a digestão da lactose durante a crise ou após a remoção cirúrgica de um segmento do intestino delgado.

A má digestão da lactose pode provocar cólicas, dor abdominal, gases, diarreia e inchaço. Como os sintomas da intolerância à lactose se assemelham aos da DII, pode ser difícil reconhecer essa intolerância. A gravidade dos sintomas dependerá da quantidade de lactose que o indivíduo pode tolerar. Enquanto algumas pessoas conseguem consumir pequenas quantidades de leite, outras podem precisar evitá-lo completamente.

A lactase é a enzima responsável pela quebra da lactose nos alimentos lácteos e seus derivados. Os suplementos de lactase podem ser tomados junto com o leite para ajudar a digeri-lo; além disso, também estão disponíveis laticínios especiais que não contêm lactose.

Os laticínios como iogurte, kefir, queijos duros também podem ser facilmente tolerados, devido ao teor mínimo de lactose neles presente. Leite e laticínios são fontes importantes de nutrientes, particularmente cálcio. Portanto, as pessoas que limitam ou eliminam o leite e os laticínios da dieta devem estar atentas para obter cálcio de outras fontes alimentares ou de suplementos.

Alimentos ricos em gordura

Os alimentos com alto teor de gordura, como manteiga, margarina e creme de leite, podem causar diarreia e gases se a absorção de gordura for incompleta. Esses sintomas tendem a ocorrer mais em pessoas que apresentam inflamação no intestino delgado ou que tiveram grandes partes do intestino delgado removidas.

Glúten

O glúten é uma proteína encontrada em grãos, inclusive em produtos de trigo, centeio e cevada. Alguns indivíduos com DII podem ser sensíveis ao glúten e ter intolerância a ele. Essas pessoas também podem apresentar sintomas de inchaço abdominal e diarreia depois de comer alimentos que contêm glúten e se beneficiam ao evitar consumi-los.

Açúcares não absorvíveis (SORBITOL, MANITOL)

Álcoois de açúcar, como sorbitol e manitol, causam diarreia, inchaço e gases em algumas pessoas. Esses ingredientes são frequentemente encontrados em chicletes e doces sem açúcar. O sorbitol também está presente em sorvetes e em vários tipos de fruta, como maçã, pera, pêssego e ameixa, bem como nos sucos dessas frutas.

Existem alguns princípios e diretrizes básicos para ajudar você a decidir como e o que comer, especialmente durante as crises. As pessoas com DII devem manter uma dieta diversificada e rica em nutrientes. Ao ter sintomas, estas orientações podem ajudar:

  • Comer pequenas porções nas refeições
  • Fazer refeições mais frequentes
  • Comer em ambiente tranquilo
  • Evitar alimentos desencadeantes
  • Limitar alimentos com fibras insolúveis (isto é, sementes, grãos, vegetais de folhas verdes, frutas laxativas e farelo de trigo)
  • Reduzir a quantidade de alimentos gordurosos ou fritos
  • Beber pelo menos 2 litros de água por dia
  • Evitar bebidas alcoólicas e com cafeína que podem irritar e estimular o TGI

Não existe um cardápio seguro para pessoas com DII, mas há técnicas e estratégias para tornar as refeições fora de casa uma experiência positiva.

Algumas dicas para ter em mente:

  • Não saia de casa com muita fome. Você pode não fazer as melhores escolhas alimentares, pois será conduzido pela fome e pelo desejo de sentir-se satisfeito.
  • Não tenha medo de fazer pedidos especiais. Muitos restaurantes alteram a forma de preparo de um prato.
  • Ligue com antecedência se tiver dúvidas específicas ou olhe o cardápio previamente via online. Dessa forma, é possível identificar potenciais problemas com alimentos e evitar sentir-se apressado pelo garçom ao avaliar as opções.
  • Coma porções menores – talvez um aperitivo ou uma meia porção. Se você não gostar da comida, não terá desperdiçado dinheiro e sempre poderá pedir mais alguma coisa.
  • Em caso de dúvida, fique no simples. Prefira opções fervidas, grelhadas, cozidas no vapor, assadas ou salteadas e limite molhos e especiarias.
  • Quando for a uma festa, leve o que você pode comer, uma porção suficiente para você e para o grupo.
  • Saiba onde os banheiros estão localizados antes de entrar no evento social.
  • Informe-se com o seu médico sobre os produtos que ajudam a controlar ou reduzir os sintomas, inclusive medicamentos antidiarreicos, antiespasmódicos ou suplementos de lactase.
  • Use uma fralda para adultos ou roupas de proteção e leve uma muda de roupa na bolsa, na mochila ou no carro.

Se você perceber que tem evitado situações sociais ou tem se sentido que comer ou pensar em comer se tornou uma luta árdua, conte para seu médico, seu nutricionista, sua família, um amigo ou fale com um conselheiro que possa ajudar você a gerenciar melhor a alimentação e a DII.

* Este texto tem como base o MANUAL DE NUTRIÇÃO, DIETA E DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL, elaborado pela Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn em parceria com a Nestlé Health Sciense